sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

MARIA EUGÉNIA CUNHAL (1927-2015)


   Filha tardia e última do casal Cunhal, nascida em Lisboa em 1927, Maria Eugénia, a irmã mais nova, foi a única a acompanhar toda a vida política de Álvaro Cunhal. Dela disse Mário Soares ter sido «muito bonita», de uma beleza parecida com a do irmão.
   Com o pai, teve o ónus de acompanhar o irmão na sua longa prisão de 1949 a 1960, visitando-o frequentemente. Devido a essa atitude de solidariedade, foi sujeita a várias pressões por parte da PIDE.
   Maria Eugénia publicou dois livros de poemas - Silêncio de Vidro, em 1962, e História de Um Condenado à Morte, em 1983 -, para além de poemas dispersos noutras publicações, e traduziu Os Tzibukine de Tchekov em 1963. Na Vértice, trazida pelo pai, então activo colaborador, publicou, entre 1947 e 1951, vários poemas com o pseudónimo de «Maria André».
   São poemas líricos e sentimentais, escritos num tom de forte idealização da vida, dominados pela tristeza, a ausência e a morte. Ocasionalmente, há neles uma referência social - a morte de um pescador, a passagem anónima da pobreza das cidades -, mas é sobretudo pela intensidade de um drama pessoal que estão marcados.
   Num seu poema de 1962, publicado pouco depois da fuga de Peniche, dá-nos um retrato sentimental da tragédia íntima da família Cunhal - a da ausência dos filhos mortos e do filho vivo, mas inacessível. Nele retrata, num ambiente de domesticidade, o drama da ausência de Álvaro Cunhal e o ambiente de contínua espera, de passagem do tempo na ausência que marcou a velhice de Avelino e Mercedes. Álvaro Cunhal é o ausente-presente, o que não está, estando. 

«Quando vieres
Encontrarás tudo como quando partiste.
A mãe bordará a um canto da sala...
Apenas os cabelos mais brancos
E o olhar mais cansado.
O pai fumará o seu cigarro depois do jantar
E lerá o jornal.

Quando vieres
Só não encontrarás aquela menina de saias curtas
E cabelos entrançados
Que deixaste um dia.
Mas os meus filhos brincarão nos teus joelhos
Como se te tivessem sempre conhecido.

Quando vieres
Nenhum de nós dirá nada
Mas a mãe largará o bordado
O pai largará o jornal
As crianças os brinquedos
E abriremos para ti os nossos corações,

Pois quando vieres
Não és só tu que vens
É todo um mundo novo que despontará lá fora
Quando vieres.»



José Pacheco Pereira, in Álvaro Cunhal - Uma Biografia Política, volume 1, «Daniel», o Jovem Revolucionário (1913-1941), Temas e Debates, 1.ª edição, Maio de 1999, pp. 24-26.

Sem comentários: