sexta-feira, 24 de março de 2017

AGUSTINA

Sábado passado, desabafava o desencanto fomentado pela actividade livreira. A gente fica a perceber o país em que vive. E dei exemplo: em 9 anos de trabalho numa livraria, não me recordo de ter vendido um único livro da Agustina Bessa-Luís. Isto é um facto tão mais chocante para mim, quanto ao contrário do que por aí* se supõe sou um homem (ainda por cima de esquerda) que lê Agustina. Pouco, é certo, mas leio. Muitas vezes me repugna a lamúria geral em torno da desgraça. As livrarias independentes declaram falência ao som de carpideiras que nunca nelas meteram pé, quanto mais comprar um livro. O A. Dasilva O. disse-me em tempos que fechou a Pulga porque estava farto de aturar tipos que o visitavam mostrando os livros que tinham comprado na FNAC. Esta é a realidade do país. As pessoas choram o fim de um mundo, sem que façam o mínimo para que esse mundo não tombe. A minha mulher diz que sou catastrófico, mas assisto a tudo isto com repulsa indisfarçável. Não é muita a indignação que por aí se ouve face ao caso Agustina, mas é alguma. Entretanto será mais. Ora que se fodam. Entrem numa livraria e peçam A Sibila, O Manto, o Vale Abraão. Não temam estar a contribuir para uma maquiavélica acção promocional, como já ouvi. Serão absolvidos pelo facto simples de terem adquirido bons livros, de uma das nossas maiores escritoras vivas. Quando falecer, já não vale. Miserável país de carpideiras hipócritas, ainda te admiras que lá do norte te reduzam a putas e vinho verde? 


* Página não encontrada cujo conteúdo era mais ou menos este:


3 comentários:

Espiral disse...

Concordo com tudo o que dizes e percebo a posição da editora. Até porque segundo o que li só tiraram os livros porque não houve margem para renegociação do valor mensal pago à autora, que se for o valor que li parece-me descabido em relação às vendas.

Eu leio muito, muito mesmo(leio em média 100-120 por ano), mas infelizmente para comprar livros só na feira do livro na hora H. Raramente compro livros que saiam a não ser no caso de ir visitar uma livraria das verdadeiras (sem ser fnacs e afins) exactamente porque acho que se devem preservar.

Mas, falo por mim, raramente compro, apesar de adorar livros , por motivos económicos. Alugo de bibliotecas com regularidade, e vou lendo o que tenho em casa que ainda não li. Tenho pena porque adorava ter uma biblioteca enorme, mas é o que é, e a minha realidade é a de muitos portugueses.

Em relação a Agustina, acho que há um acréscimo de dificuldade ao preço, que é o tipo de livros que escreve. Não os acho fáceis para o típico leitor português que lê José Rodrigues dos Santos como nível máximo de complexidade (sem crítica, só facto).

Pedro Góis Nogueira disse...

Completamente de acordo, Henrique. E tomo, infelizmente, a indignação cada vez mais como um mecanismo de uma vaidade tão legitimada que já chega ao ponto de moralizar. A realidade é que vê o que não compra. Mas vende, se vende...

MJLF disse...

Eu comprei e li vários livros da Agustina na Babel :)